Domingo, 2 de Maio de 2010

Há muito que quero escrever sobre a minha família, passando pelos vários elementos que a constituem e pelas fantásticas dinâmicas que a agitam (e devo isso ao meu fã e primo Will, que vem a estas bandas, lê os posts e depois faz-me o obséquio de os comentar nos almoços de Domingo). No entanto, sinto essa missão como algo épico, que exige um rasgo brutal de inspiração, porque para pôr a minha família em palavras, não pode ser um acto de ânimo leve. Além disso, não quero cair no registo lamechas, para o qual facilmente resvalo, porque a verdade é que nós somos bastante divertidos; como tal, no máximo poderá ser um registo melodramático.

 

Serve este preâmbulo para dizer que não é hoje que vou enfrentar este desafio.

 

No entanto, comemora-se o dia da mãe...

 

Obviamente que a minha mãe é a melhor do mundo, e quanto a isso não há qualquer tipo de dúvida. E a mãe da minha mãe, é a melhor segunda mãe do mundo, com o mesmo grau de certeza. Foram as duas mulheres que me criaram e continuam a criar, porque eu acho que nunca vou estar completamente criada! Quando uma atingia aquele limite do desespero e me ia pôr na cozinha porque não aguentava mais o meu choro despropositado, a outra ia lá buscar-me, com as mãos mais enrugadas e com a paciência que os anos vão conferindo; faziam-me chá da papoila roxa (sim, a papoila do ópio) para me acalmar a birra; iam comigo apanhar as nêsperas, ameixas e figos, que comíamos directamente da árvore, quentinhos do sol; uma faz-me carapaus alimados e bife de atum de cebolada e a outra faz-me papas de milho com sardinhas e guarda-me uma taça de massa de pão quando eu não estou em casa na hora de amassar; levaram-me a apanhar amêndoas, azeitonas e alfarrobas, a lavar a sacas no ribeiro e a apanhar boas noites para as galinhas; deixaram-me ordenhar a cabra moncha; aturam-me sempre o mau feitio, a bruteza, as respostas tortas, a adolescência e o prolongamento desta; foram elas que me deixaram em Évora, no início de uma nova vida, e foi ao vê-las partir naquela dia que chorei. São as duas mulheres que mais admiro nesta minha existência.

 

A minha mãe é o protótipo de boa pessoa, até demais na minha modesta opinião. Sempre me mostrou, sem grande sacrifício, os melhores valores que uma pessoa pode ter. As portas de casa estiveram sempre tão abertas como a nossa alma. Não me lembro de nenhum tipo de preconceito ou discriminação contra quem quer que fosse. Quem chegasse lá a casa, e chegou sempre muita gente, era Benvindo, até mesmo quando não vinha por bem. Ensinou-me que eu nunca lhe precisaria de mentir, mas também não era necessário contar-lhe tudo. Deu-me toda a liberdade e mostrou-me que eu a merecia porque ela confiava em mim. Aceitou sempre as minhas decisões, apoiou-me e apoia-me incondicionalmente nas minhas escolhas. Foi comigo para a discoteca, vestida de ovelha, e acompanha-me nos bailes de carnaval. Defende-me nos ajuntamentos de família, quando há sempre alguém que se lembra de perguntar quando me caso e lhe dou netos, a quem ela responde "deixe lá que ela está muito bem assim como está". E ri-se com as minhas aventuras e desventuras, ri-se em sonoras gargalhadas, e isso também aprendi com ela, que não tem mal nenhum rir alto.

 

A minha avó é o que eu chamo uma verdadeira matriarca. É a mulher com mais fibra que eu conheço, um pilar para todos nós. Daquelas mulheres que passaram por muita coisa, sofrimento qb, mas que não endureceram, que não se tornaram amargas ou de mal com a vida. Outra pessoa de espírito aberto, embora disfarce com o lenço na cabeça a cobrir o cabelo totalmente branco e saia por baixo do joelho, sempre. Aprendeu, depois dos 60 e tal anos, a viajar sempre que pode; tem menos medo de andar de avião do que eu; passeou pelo Moulin Rouge e andou de carros de cesto e teleférico; anda todos os dias de bicicleta e sobe às árvores, mas ninguém a faz pôr um pé numa escada rolante; acha piada aos estrangeiros (couchsurfers) que levo lá a casa aos almoços de domingo, e tenta gesticular com eles de modo a que possa haver algum tipo de comunicação; e faz parte da partilha de avós, aquela que fazemos com os amigos de infância, em que todos acabamos por partilhar um bocadinho da família uns dos outros.

 

Estas são os pares de cromossomas XX da minha vida. A elas, todos os dias em geral, e o dia de hoje em particular.



apoquentado por Béu às 11:23 | linque da apoquentação | mandar pitafe

2 pitafes:
De Não digo quem sou, nem que me batam a 7 de Maio de 2010 às 11:41
Tive a honra e o prazer de entrar nessa casa, nessa família... nela fui acolhida e acarinhada como se, com um simples olhar, percebessem o sofrimento, solidão e desamparo que vivia naquele momento.
Não haverá gestos nem palavras para vos agradecer... mas há um lugar no meu coração para vós e um grande sorriso sempre que me lembro dos almoços de domingo!

Claro que o Meireles faz parte destas boas recordações! Meire for ever!

Muitos beijinhos,
uma lágrima de saudade

L. Vaz


De Não digo quem sou, nem que me batam a 5 de Junho de 2010 às 00:14
Pois é, nessa casa também fui criança, nessa casa também cresci e vou crescendo... há 21 belos anos, desde os 6, desde que me recordo como pessoa...nessa casa fui feliz:
Nessa casa aprendi a nadar... quando noutras me tinha afogado...nessa casa aprendi que é normal o Pai andar de cuecas, de barriga de fora;) nessa casa aprendi que ir a aniversários não era maldade... aprendi embora tarde, que teria gostado de ter uma irmã... mas nessa casa tinha pelo menos umas 4...nessa casa aprendi a gostar de avelãs, na Nutela não desgosto ... para essa casa pedaláva 3km ao sol em pleno Verão na minha BTT..."na melhor BTT de sempre",quando nao tinha como me deslocar de outra forma, nessa casa deixava a minha mota ...horrivel...uma Gilera rosa e azul bebé...igual á da Barbie...ninguém com mais de 13 anos tem uma daquelas, ficava mesmo bem, escondida lá à sombra da alfarrobeira... nessa casa tive a minha primeira e unica queda de mota... nao foi grave...Nessa casa aprendi que nao sei saltar muros como os rapazes, nem como nos filmes, nao sei como nao me parti toda... nessa casa cresci... reflecti...evolui..mesmo nos tempos de silêncio entre um encolher de ombros distante, um "então tá bem" de olhar desviado numa qualquer Nova Gente... fase em que entrava muda e saia calada... nessa casa senti a calma de que precisava para me reencaminhar...
Nessa casa brindei, sorri, partilhei, curti, caminhei... Nessa casa apresentei o meu namorado primeiro que na minha...
Um muito obrigado à bela gente dessa casa...
Mar


mandar pitafe acerca da aopquentação

mais sobre mim
Julho 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10
11
12
13
14
15
16

17
18
19
20
21
22
23

24
25
26
27
28
29
30

31


apoquentações fresquinhas

The end

Se a perfeição existe...

Setembro 2011

Every teardrop is a water...

Meia de proposta

Fecha a porta, que faz co...

O meu favorito do mestre ...

Para quem não acredita qu...

Dancing terapia queen

Faz hoje 7 anos

past

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

tags

a gata

alentejo

amizade; morte

analogias

aniversário

balanço

carnaval

coisas

coisas boas

coisas que irritam

comida

crises existenciais

desabafos

férias

filmes

homens

inspira-me

mina

mina a gata

natal

nomes

nostalgia

observações

país

pessoas

primavera; flor

prisão

saudades

signos

sócrátes

testes

trabalho

viagens

todas as tags

os mais espectaculares

Ensaio sobre a bestialida...

E se um dia

Líquidos

Liberdade?

Domingo à tarde

?

Avô Hique

Ode parte I

A sazonalidade

Noites dedilhadas...

linques
blogs SAPO
subscrever feeds