Há muito que quero escrever sobre a minha família, passando pelos vários elementos que a constituem e pelas fantásticas dinâmicas que a agitam (e devo isso ao meu fã e primo Will, que vem a estas bandas, lê os posts e depois faz-me o obséquio de os comentar nos almoços de Domingo). No entanto, sinto essa missão como algo épico, que exige um rasgo brutal de inspiração, porque para pôr a minha família em palavras, não pode ser um acto de ânimo leve. Além disso, não quero cair no registo lamechas, para o qual facilmente resvalo, porque a verdade é que nós somos bastante divertidos; como tal, no máximo poderá ser um registo melodramático.
Serve este preâmbulo para dizer que não é hoje que vou enfrentar este desafio.
No entanto, comemora-se o dia da mãe...
Obviamente que a minha mãe é a melhor do mundo, e quanto a isso não há qualquer tipo de dúvida. E a mãe da minha mãe, é a melhor segunda mãe do mundo, com o mesmo grau de certeza. Foram as duas mulheres que me criaram e continuam a criar, porque eu acho que nunca vou estar completamente criada! Quando uma atingia aquele limite do desespero e me ia pôr na cozinha porque não aguentava mais o meu choro despropositado, a outra ia lá buscar-me, com as mãos mais enrugadas e com a paciência que os anos vão conferindo; faziam-me chá da papoila roxa (sim, a papoila do ópio) para me acalmar a birra; iam comigo apanhar as nêsperas, ameixas e figos, que comíamos directamente da árvore, quentinhos do sol; uma faz-me carapaus alimados e bife de atum de cebolada e a outra faz-me papas de milho com sardinhas e guarda-me uma taça de massa de pão quando eu não estou em casa na hora de amassar; levaram-me a apanhar amêndoas, azeitonas e alfarrobas, a lavar a sacas no ribeiro e a apanhar boas noites para as galinhas; deixaram-me ordenhar a cabra moncha; aturam-me sempre o mau feitio, a bruteza, as respostas tortas, a adolescência e o prolongamento desta; foram elas que me deixaram em Évora, no início de uma nova vida, e foi ao vê-las partir naquela dia que chorei. São as duas mulheres que mais admiro nesta minha existência.
A minha mãe é o protótipo de boa pessoa, até demais na minha modesta opinião. Sempre me mostrou, sem grande sacrifício, os melhores valores que uma pessoa pode ter. As portas de casa estiveram sempre tão abertas como a nossa alma. Não me lembro de nenhum tipo de preconceito ou discriminação contra quem quer que fosse. Quem chegasse lá a casa, e chegou sempre muita gente, era Benvindo, até mesmo quando não vinha por bem. Ensinou-me que eu nunca lhe precisaria de mentir, mas também não era necessário contar-lhe tudo. Deu-me toda a liberdade e mostrou-me que eu a merecia porque ela confiava em mim. Aceitou sempre as minhas decisões, apoiou-me e apoia-me incondicionalmente nas minhas escolhas. Foi comigo para a discoteca, vestida de ovelha, e acompanha-me nos bailes de carnaval. Defende-me nos ajuntamentos de família, quando há sempre alguém que se lembra de perguntar quando me caso e lhe dou netos, a quem ela responde "deixe lá que ela está muito bem assim como está". E ri-se com as minhas aventuras e desventuras, ri-se em sonoras gargalhadas, e isso também aprendi com ela, que não tem mal nenhum rir alto.
A minha avó é o que eu chamo uma verdadeira matriarca. É a mulher com mais fibra que eu conheço, um pilar para todos nós. Daquelas mulheres que passaram por muita coisa, sofrimento qb, mas que não endureceram, que não se tornaram amargas ou de mal com a vida. Outra pessoa de espírito aberto, embora disfarce com o lenço na cabeça a cobrir o cabelo totalmente branco e saia por baixo do joelho, sempre. Aprendeu, depois dos 60 e tal anos, a viajar sempre que pode; tem menos medo de andar de avião do que eu; passeou pelo Moulin Rouge e andou de carros de cesto e teleférico; anda todos os dias de bicicleta e sobe às árvores, mas ninguém a faz pôr um pé numa escada rolante; acha piada aos estrangeiros (couchsurfers) que levo lá a casa aos almoços de domingo, e tenta gesticular com eles de modo a que possa haver algum tipo de comunicação; e faz parte da partilha de avós, aquela que fazemos com os amigos de infância, em que todos acabamos por partilhar um bocadinho da família uns dos outros.
Estas são os pares de cromossomas XX da minha vida. A elas, todos os dias em geral, e o dia de hoje em particular.