Hoje, pela manhazinha, fui levar a minha irmã, soterrada em malas e malões, à casa de partida para a nova vida, a começar lá no outro lado deste rectângulo. E eu, soterrada em nostalgia, abracei egoísta as recordações e justifiquei a minha lágrima, com a água nos olhos do meu avô, naquela tarde em que me viu abalar, de infância na mochila, rumo à planicie. É tão bom ter quem chore por nós, no momento em que nos vê dar as costas, para que a saudade nos passe a mão pela cabeça e o carinho da distancia nos atenue a falta do prato cheio de presenças.
Mais um fim de Verão... eles vão, como fazem desde sempre... Também eu já o fiz, deixando sem remorsos a tristeza desta época a quem sempre a carregou. Agora estou de volta, ao Algarve das chegadas e das partidas, para ver uma das pessoas mais importantes de sempre, tomar a sua direccção.
Encho-me de orgulho, e há muito que o faço, de ser tua irmã! *
Ah, claro que é. Pulseira apertada; e depois o suor, quando a coisa começa a aquecer por entre as nuvens? Regresso ao desconforto das casas de banho imundas, para as quais se esperavam horas numa surprendente fila de acesso ao binómio água limpa/cubiculo que mete nojo. Noites de chão duro partilhadas a 3, a 2 e finalmente a 1. As mucosas nasais denunciam a densidade de pó no ar, e os timpânos acusam com frequência um número flagrantemente acima da quota prevista para ótarios por metro quadrado. Mas tudo isto é tão pequenino ao pé das canções trauteadas, das saias rodadas, do novo e divertido significado da palavra "camarada", da Jacinta a cantar Zeca, das gaitas de foles inseparáveis dos jambés, do país dividido por gastronomias e da carvalhesa que é sempre inexplicável.
E a minha Bichinha.
Avantemos, porque realmente não há festa como esta!
No corredor existiam algumas macas a contar amarguras dos corpos que suportam e suportaram durante toda a sua existência. São o aconchego de esponja fina. Ouvem-se "ais" de sofrimento, do corpo, ou da alma, ou dos 2, quem sabe. E nós, pairamos sobre um cenário que até há bem pouco tempo faria despertar as mais profundas fragilidades, de Seres confrontados com a fugacidade do corpo e da vida que lhe escapa sem autorização. Mas os anticorpos humanos são poderosos. E de repente, deixamos de nos poder comover com a falta de saúde, a falta de privacidade, a falta de humanidade, a falta de carinho, de apoio, a falta que aquela pessoa vai fazer, se desaparecer. Tornamos-nos monstruosas ao ponto de praguejar para que aqueles "ais" moncórdicos cessem, para que aquela respiração atabalhoada páre de nos fazer impressão, e achamos graça às desgraças menos desgraçadas que vão acontecendo.
Não somos más pessoas, juro que não somos. Mas a nossa capacidade de adaptação é, por vezes, perversamente assustadora!
Disse-me ela, em jeito de desafio: lembrei-me da mensagem que escreveste, onde dizias não perceber como é que passaste de bestial a besta em tão pouco tempo, e lembrei-me que comigo também aconteceu o mesmo, e conheço muitas mais bestiais com história idênticas. Não queres escrever alguma coisa sobre isso? (…) tu, que ainda tens alguma emocionalidade, ao contrário de mim, que já estou amocional. E eu aceitei. Talvez seja importante contextualizar que falamos de relações amorosas, e dos de repentes de determinados seres que nos elevam à condição de rainhas durante certo período de tempo, seja ele mais ou menos prolongado, e que, de um dia para o outro (literalmente), se despedem de nós, sem despedidas. Tipo “preciso de um tempo para pensar”, ou “estou a passar por um período muito mau e acho que vai ser melhor para ti”, ou ainda ”estou confuso e não sei muito bem se é isto que eu quero”… Dizemos, ou pensamos nós, ainda atropeladas pela surpresa: “mas oh mor, ainda ontem estávamos a passear de mãos dadas; ou, tenho uma mensagem guardada em que me repetias que eu era a luz dos teus olhos, e isso não foi há mais de 3 dias;ou ainda, então, quando conseguimos finalmente um orgasmo ao mesmo tempo, é que precisas de reflectir?” Confesso que a azia que me dá nestas situações é pensar: “Mas porque é que não me anticipei?” Sim, não é a decisão em si que me aflige, até porque o meu lado amoroso ainda não me permitiu acreditar em relações eternas. O que chateia é a forma como estas almas nos deixam num altar que não queríamos, mas que eles fizeram questão de nos criar, e saem porta fora, sem sequer um adeuzinho timido, de quem fez porcaria e foge de fininho. E nós ali, tácitas, vemo-los correr num espalhafato de liberdade que nunca deixaram de ter, e no meu caso ainda acrescenta, mesmo à saída da porta ”tu torras a cabeça a um homem!”… “Oh mor, mas e o orgasmo de ontem à noite?”, penso… Bem, aproveito o trono para deixar cair o corpo rijo de sobressalto… Mas afinal, o trono é de espuma e… Puff, chão com o cóxis! E vai doendo, porque o osso é sensivel e a maleita é daquelas moínhas que, volta não volta, acena para marcar presença. Mas a coisa vai-se compondo, com a mão esquerda a ser agarrada pela direita, e vice versa, quando atacam as tentações de contactos descabidos, instantaneamente traduzidos em humilhações. E quando toda a ossada se parece reerguer a custo da traiçoeira queda, eis que outro fenómeno acontece: por este ou aquele motivo, um dos meios de contacto começa a piscar, vibrar, zinir. E as letras tomam aquela configuração que até já me tinha convencido que não queria ver mais… (mentira… de vez em quando o cóxis ainda acena). Vem escrito, vem falado, vem respirado, vem um discurso de ex colegas que se reencontram nas superficialidades das suas vida. E no meio das insignificâncias vem um “tu continuas bestial, eu é que sou uma besta” e o apogeu é “tu mereces melhor!”. Deixo cair o corpo rijo no trono… mas o trono é de espuma! O cóxis esse, sofre um pouco mais. Que lhe valha o anterior ensaio. Sim, sou bestial e nunca deixei de o ser, e quanto a merecer melhor, sim mereço. Continuo sem perceber os de repentes, mas cada vez isso é menos importante. Contudo, nos entretantos, continuo a lembrar do orgasmo de há 3 meses atrás!