Sábado, 30 de Agosto de 2008
40 anos feitos há poucos dias. Não lhe conheceu a ternura... A bem dizer, desde os 17 que a vida deixou de lhe fazer carícias. A droga tomou-lhe conta do corpo e da alma. Conheceu intimamente o que de mais negro pode existir, no lado oposto aos sonhos, ao futuro, à vida... Deambulava no seu mundo, diferente de todos os outros mundos, e diferente do chão imundo que pisava, das agulhas que espetava, dos copos que bebia, dos comprimidos que tomava...
História pouco original. Poderia ser contada pela maior parte das famílias.
Desta vez foi pela minha.
O meu primo morreu hoje, numa casa abandonada, cercado do vazio que desde cedo lhe preencheu a existência.
Segunda-feira, 25 de Agosto de 2008
A uma semana do início de Setembro, data marcada para começar as mudanças, resolvi percorrer as portas de supermercados das redondezas em busca das caixas de papelão que servirão para transportar a vida para a nova casa.
Ofuscado pelo entusiasmo, espreita o medo e assim um soprozinho de angústia, por sair e por não saber ao certo como vai ser chegar a uma casa vazia, e acordar numa casa vazia.
É o que quero? Sem dúvida que sim! Mas agita um bocadinho as águas...
E por isso lembrei-me de um texto que levei comigo quando saí de casa para a Universidade, e que simplesmente dizia tudo o que estava a sentir naquele momento. Acho que é capaz de ainda estar dentro da validade...
(...) Mas enquanto descia a colina,
invadiu-o uma tristeza
e pensou em seu coração:
- Como poderei partir em paz e sem pena?
Não. Não poderei deixar esta cidade
sem uma ferida na alma.
Longos foram os dias de amargura
que passei dentro dos seus muros,
longas foram as noites de infinita solidão;
e quem poderá separar-se sem pesar
da sua amargura
e da sua solidão infinita?
Espalhei por estas ruas
muitos bocados do meu espírito
e muitos filhos dos meus sonhos
caminham nus por estas colinas,
e não posso afastar-me deles sem dor e pesar.
Não é um vestido que hoje dispo;
é uma pele que arranco
com as próprias mãos.
Não é um pensamento que deixo atrás de mim,
é um coração enternecido
pela fome e pela sede.
Mas não posso ficar mais tempo.
O mar que chama para si todas as coisas,
chama por mim e tenho de embarcar.
Porque ficar,
enquanto as horas ardem na noite,
é congelar-se e cristalizar-se,
e ficar preso num molde.
De bom grado levaria comigo
tudo quanto aqui existe.
Mas, como?
A voz não pode levar consigo
a língua e os lábios que lhe deram asas.
Deve lançar-se sozinha no espaço.
E a águia voará ao encontro do sol
sozinha, sem o seu ninho (...)
O PROFETA Khalil Gibran
É facto, sempre que me despeço de alguma coisa, este texto está lá, para que não seja preciso dizer mais nada!
Terça-feira, 12 de Agosto de 2008
No passado Domingo apeteceu-me migrar o meu blog aqui para a zona do bichinho verde, só para mudar um bocadinho de ares e ver como isto funcionava.
Qual não é o meu espanto quando recebo muitos mais pitafes do que o habitual e percebo que este cantinho está em destaque. Não sei muito bem quais os critérios para aparecer em destaque, mas mesmo que seja a aleatoriedade, aqui fica o meu agradecimento.
E ainda mais importante, o meu reconhecimento a todos os que leram e fizeram comentários tão simpáticos, especialmente a uma apoquentação tão intíma como a "red shoes".
Domingo, 10 de Agosto de 2008
No início deste ano decidi que iria ser feliz em 2008. 2007 não se tinha comportado à altura e, definitivamente, eu mereço bem mais e melhor do que o que vivi nos 365 dias correspondentes ao passado ano.
Entrei em Janeiro no sobressalto da mudança, com o leve aroma a frustração, pela impossiblidade de tudo acontecer no imediato. Mas, no decorrer do calendário fui aprendendo a perceber que não tenho que ser, ter ou fazer tudo o que sonhei, agora. Basta-me ser, ter ou fazer algumas coisas...
Comprei uns sapatos vermelhos, e percebi que aqueles sapatos significavam muito mais do que duas simples peças de calçado em verniz. Descobri que era em cima daqueles sapatos que eu queria ver a minha vida e neles estaria repressentada toda a transformação que eu queria fazer acontecer.
Passo número um: antiga e eterna luta com o reflexo, corpo que teima em não colaborar com os velhos desejos silhueta perfeita. Enceta-se uma nova tentativa, perde-se a conta às que já aconteceram. Mas essas agora não importam. Os quilos vão-se perdendo e tudo ganha uma nova forma, tão mais fácil, tão mais brilhante. As velhas vozes do "tás tão forte" transformam-se de súbito no "tás tão magra". Dessas eu não quero saber, nem antes nem agora. Fizeram-me sofrer desde que me entendo por gente, obrigaram-me a acreditar que era gorda, até nos poucos momentos da minha vida em que não o fui; ajudaram-me a criar a concha da qual ainda hoje luto para sair; duplicaram o peso que fui ganhando, mas triplicaram aquele que perdi, porque neste momento a sua crueldade, consciente ou inconsciente, não significa rigorasamente nada para mim!
Reconciliação com o meu corpo e nova forma de o cobrir. Não precisa de ser perfeito, não precisa das medidas de modelo, só precisa de me fazer gostar de mim quando me levanto de manhã, e quando me deito à noite. E gosto...
Passo número dois: eu não queria voltar para o Algarve, muito menos queria voltar para casa. O que eu queria era ir para o estrangeiro, fosse onde fosse.
Eu voltei para o Algarve, para casa, e não fui para o estrangeiro. Apoderam-se de mim aqueles típicos sentimentos de frustração, cobardia, de nunca concretizar as metas a que me proponho.
Mas de cima dos meus sapatos vermelhos tudo é diferente. De lá, eu só tenho 25 ainda, ainda não fui para o estrangeiro, e sou uma lutadora que nestes 2 anos, desde o fim da universidade, já fez e trabalhou em tantas coisas, sempre com profissionalismo e honestidade, e acima de tudo, deixando e trazendo amigos e saudades.
Passo número três: escolhi em Setembro passar a ganhar menos de metade do que ganhava, deixar de viajar pelo país, de hotel em hotel e voltar para a casa dos pais (por impossibilidade de me sustentar sozinha) porque percebi o que é fazer algo que não se gosta e, mais do que isso, em que não se vê qualquer utilidade. Vim para perto da minha menina dos olhos, a Psicologia. Foi uma escolha difícil, para muitos sem qualquer tipo de nexo. Hoje sei que foi a melhor.
Entrei sem qualquer tipo de facilitador, trabalhei e esforcei-me sendo sempre fiel aos meus ideais e convicções, arrisquei confiar mais em mim, e surgiu a oportunidade de subir para um lugarzinho ao sol, que não sei por quanto tempo vai durar, mas que vou desfrutar até à exaustão. Transformei colegas em amigas, conheci e continuo a conhecer pessoas que me deixam marcas inesquecíveis e sei que também marquei outros tantos seres.
Passo número quatro: arrumar de vez situações e relações pendentes. Deixou de haver espaço em mim para quem me maltrata ou maltratou gratuitamente. Acabou a compreensão, a tentativa até à exaustão de recuperar o para sempre perdido. E às vezes, a lei do eterno retorno acontece, naturalmente, de uma forma tão perfeita, que até parece premeditada!
Passo número cinco: a nova etapa profissional chegada oficialmente no início da passada semana traz consigo a possibilidade, há tanto tempo desejada, de sair de casa. Mais uma vez muitos acharão uma escolha sem nexo, mas se tudo correr como previsto, no início do próximo mês estarei no meu T2 alugado. Sim, a 12km de casa, mas no meu T2. Não sei como vai correr, mas tenho que arriscar.
Não é perfeita a minha vida, muito menos sou perfeita eu. Há muito por resolver, pois há. Haverá sempre. Mas resolvi concentrar-me nos sapatos vermelhos, red shoes...
Red shoes significam calçar o dia em cima de um tacão, e de lá, erguer o corpo delineado em toda a sua beleza, pelos tecidos justos do amor próprio, numa vertical firme e perfeita. Daqui, a vida soa melhor!