O medo é algo inato, e nas doses certas, é o que nos protege dos riscos que podem pôr em causa a nossa integridade, seja ela fisica ou psicológica. Muitas vezes o medo personifica-se. Toma a forma de uma pessoa, de uma objecto, de uma situação... São os monstros que nos vão acompanhando ao longa da vida. Quando somos pequenos há o papão. Quando crescemos, o papão transforma-se em tantas outras coisas.
Lembro-me dos meus monstros desde sempre. Quando era mesmo pequena tinha medo de ser assaltada. Este medo só é mesmo explicável pela prolongada exposição a novelas brasileiras. Isto porque cresci no campo, sem chave da porta de casa, porque estava sempre aberta, o carros no quintal permaneciam dia e noite com a chave lá dentro, e toda a gente que chegava lá a casa, chegava por bem. Mesmo assim, eu morria de medo de assaltos. Lembro-me de ficar na cama quietinha sem mexer um músculo, com medo que algum bandido viesse e me atacasse.
Quando entrei na adolescência comecei a sentir medo de ficar doente. Não com uma doença qualquer, mas com cancro. Este é o monstro que me acompanha desde os meus 13 ou 14 anos. Na altura haviam dois casos de rapazes novos e saudáveis, da minha idade, na dura batalha contra a doença, lá na terra. Nos dois casos a doença venceu. De cada vez que me doía a cabeça ou qualquer outra coisa, eu pensava que estava doente. Acho que nunca o disse a ninguém. Esperava que aquele pensamento passasse e que as dores se fossem embora, da mesma forma como apareceram.
Hoje, este continua a ser o meu maior monstro. Vi o meu avô definhar, vi a minha tia lutar com todas as forças para combater a doença (e felizmente com sucesso), via a minha outra tia sofrer durante 2 anos e acabar por desaparecer depois de morrer aos poucos... Não há nada que nos faça saber lidar com isto. Sofre-se porque se vê o outro sofrer e não se pode fazer nada, sofre-se porque se pensa que pode acontecer a mais alguém que se ama e sofre-se porque se tem medo que um dia sejamos nós a estar ali.
Não sei o que a vida me reserva (e também não quero saber), mas apeteceu-me escrever sobre isto, porque não me tem saído da cabeça.
"Não deixar nada por fazer, nada por dizer" porque um dia tudo o que faz sentido hoje pode deixar de fazer, aquilo que é prioridade deixar de o ser, aquilo que se tem, deixa de ter qualquer significado. Só sobra o que se é realmente, e aquilo que se fez e que se viveu.